24.10.05

Cronica do não

Na periferia, diziam que José foi um anjo. Tinha um humilde emprego de zelador num prédio luxuoso em Ponta Negra que, apesar de tudo, dava para dar de comer para os seus dois filhos pequenos e ainda ajudar a assistir o seu tio, um velho senhor doente, que "vivia" de INSS e de SUS. Perdera a mulher fazia um ano. Ela morreu de câncer. O pessoal do bairro achava que ele, assim como os outros homens, iria se entregar à bebida e à prostíbulos. Mas não. Cuidava dos seus filhos com amor e carinho, mesmo carecendo de dinheiro algumas vezes.E sempre, aos domingos, me levava junto aos seus filhos à praia e jogava futebol conosco com aquele jeitão desengonçado. José tinha apenas dois defeitos: fumava muito e, às vezes, era inconsequente. Sempre fora honesto.

Lembro bem daquela tarde de outono, em um dia 12 de algum mês que me falha a memória. José chegou em casa com os olhos cheio de lágrimas, não com o sorriso habitual que sempre chegava. Pude ver enquanto brincava com seus filhos. Descobri depois que ele houvera sido demitido daquele prédio de bacana porque o sindico novo precisava cortar gastos. Fiquei sabendo também que recebera algum dinheiro extra, mas segundo as suas contas não daria para mais de 2 meses. Depois da tristeza veio então a época da banca. José estava sempre lá na banca do Seu Zeca com um café numa mão e o jornal na outra, circulando as propostas e depois indo atr´s delas. Conseguia alguns bicos0 de vez em quando, mas nada efetivo. Passaram 3 meses e nada. Segurou por mais 4 meses e ainda não havia conseguido trabalho. Seis meses se passaram e José teve que vender a sua casa para pagar a mercearia do Seu João onde ele comprava fiado. Seu tio morreu ao final do oitavo mês e ele ainda estava desempregado.

Passados 12 meses ele estava na mais completa miséria. Às vezes eu ia visita-lo com minha mãe para doar-lhe um saco de feijão e outro de arroz. Via a casa simples que ele morava, tinha apenas um cômodo onde durmia ele e seus filhos, além de uma panela velha e uma dispensa sem nada. José agora não tinha mais aqueles olhos sorridentes nem aquela fisionomia brincalhona. A tristeza e a falta de esperança o marcou, era triste vê-lo assim. Aí veio a queda. Frustrado ao ver o estado dos seus filhos e a sua própria magreza, pegou uma arma velha que fora do seu tio. Sua única herança. Esperou a noite cair e traçou seu plano maquiavélico. A noite veio. Foi até o mercadinho que existia perto do seu barraco. Arrombou a porta. Olhou e percebeu que ninguém tinha visto. Entrou, pegou uma sacola e colocou tudo o que viu de comida pela frente. Era biscoito, pão, bolo, carne, arroz, feijão. Encheu duas sacolas. Colocou-as perto da porta. E quando foi sair ouviu um estrondo e viu uma luz. Assustado deu um tiro para cima e tentou correr com uma das sacolas. Quando ia saindo, ouviu mais um estrondo e caiu desfalecido por sobre o chão frio. José estava morto.

No outro dia, via a noticia no jornal. Dois homens orgulhosos de sua proeza de defender os seus bens portando armas, era a foto. Na manchete lia-se "bandido é morto em tentativa de roubo". E eu então fiquei pensando. José era mesmo um bandido?

Ps. Algumas correções foram feitas. Da primeira vez que postei, estava cheio de erros.

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